O tempo está voando. E ao mesmo tempo parece estar preso em um quarto.
Hoje eu encontrei uma rolinha-roxa presa no quarto da Beibe.
Ela se debatia contra a rede protetora dos gatos, não conseguia passar por um dos buracos
apesar de serem grandes o suficiente para seu corpo (e apesar de ter entrado por um deles).
Quando se afastava da tela, via a árvore lá fora, sua casa original. Quando se aproximava, via
uma tela de fios grossos de nylon e buracos que a impediam de passar com as asas abertas.
A gata estava no quarto, mas não dava bola para o pássaro. Como se não fosse apetitoso
enquanto estivesse agitado e com medo. Seu medo, entretanto, não era do gato, era somente
deste quarto quadrado sem saída. Os instintos do felino rejeitavam essa presa fácil e ao
mesmo tempo demandante de um esforço estratégico. Coube a mim o esforço de pegar uma
escada e alcançar a rolinha encurralada entre o vidro e a rede. Não sei se foi ignorância minha,
mas quando a peguei com a mão ela miava como uma gata. Nunca tinha ouvido este som
vindo de um pássaro.
Soltei-a para fora da janela sem me preocupar se ela iria voar ou não. Foi um voo fácil e curto
até a arvore a 2 metros de distância da janela, de volta a sua família de rolinhas-roxas.
O tempo não costuma voar para tão próximo (quando ele voa lá se vão 10 anos, as crianças já
tão grandes, seu ídolo do cinema já morreu) mas, tende a visitar lugares familiares.
Isso poderia ter sido um sonho, na madrugada desta segunda-feira dia 13 de abril. O pássaro
poderia ter sido o tempo. Dotado de asas, porém preso num apartamento telado de Santa
Cecília. (Será que ele seria feliz aqui conosco, uma nova família?). Um tempo que pode ir para
qualquer lugar, é o símbolo da liberdade. Um tempo que voa e canta, mas volta sempre para
casa é o que mais se parece com nossas lembranças. Mais simbólico ainda seria se o
passarinho fosse eu, encurralado, enrascado, me sentindo preso, querendo sair, voar, visitar
minha família, bater asa e ciscar por aí. Se tivesse sido um sonho.
Hoje o espaço está distorcido para mim assim como para o passarinho marrom encurralado.
E com isto, distorceu-se o tempo também. Quantos anos se passaram para a rolinha até eu
libertá-la? Quanto tempo falta para o tempo parar de voar dentro de um apartamento?
Se tivesse sido um sonho eu poderia analisá-lo e dizer que me sinto preso em minha própria
casa. Ou que na verdade estou preso pelos meus próprios medos, inseguranças que me
atormentam e me impedem de enxergar a árvore lá fora e o buraco de saída.
A verdade é que ainda estou acordado e não me sinto preso. Não tenho uma vista para o mar
em São Paulo para aliviar-me com a imensidão do oceano que nos foge à vista nos dando a
falsa sensação de liberdade. Tenho uma biblioteca com livros, cheios de palavras em
quantidades mais próximas do infinito do que o volume de água até o horizonte. Isso me traz
tranquilidade, me impede de me debater estupidamente contra a janela.
O tempo está voando e com ele viajo pelos livros, percorro meus cantos de tacos, plantas e
pelos de gatos e não preciso mais saber o dia da semana para saber o que fazer dentre as
inúmeras possibilidades. Talvez seja pela minha idade, posso ter chegado onde sempre estive,
mas agora tenho a sensação de que tudo está em seu lugar. Que sonho seria se ninguém se
sentisse preso e acuado.
Cristiano Benitez